criciúma, 50 graus. neste caldo me fiz gente.

recordo-me, não digo com saudades,
pois ainda está muito em mim,
das noites de vaga-lumes, dos pés empoeirados.
estrada infinda, ainda que acabasse logo ali,
emburacada, entre milharais e pastos, curvas e descidas,
perto do regato, fio d'água pra lavar roupa.
verão, sempre era verão na varanda de trás.
perto do poço, da bomba e da mesa de café;
nela, o leite morno em jarro de barro,
cavaquinhos, bolinhos de chuva, pão de casa e, sempre, queijo.
café da tarde, só isso, café da tarde.

e a espera. como esperava. sempre em espera.
do que foi, do que não foi, não sei o quê.
a nona que se mudou para o paraná,
a irmã no convento que jamais voltava,
o natal com o galho de pinheiro enfeitado, menino Jesus.
santa maria, rogai por nós pecadores, sonolentos,
em ritmo cadenciado, cinquenta vezes, até a salve rainha,
que para mais lhe obrigarmos nós as saldavámos,
nós degredados em terra, em terras nossas e distantes,
exilados da itália, na pátria mãe gentil.
e nos dias de festas, a ladainha.
porta do céu, torre de marfim, saúde dos enfermos.

na manhã a carroça com os latões do leite;
uma vez ou outra,
torresmo em tacho de ferro,
no mesmo fogo, batata doce na lata, misturada com a soja;
milho pras galinhas.
tempo sem trattoria.
almoço, polenta, linha, fortaia, radice,
a comida na mesa da cozinha mesmo.
arroz, feijão preto, ovo e minestra, jantar.
macarrão, maionese, galinha ensopada.
sabia, era domingo.
dia da missa, confessar, roupa nova.
novidade, agora podia se rezar em brasileiro
e comungar na boca.
acabou o Domunus vobiscum,
santos cobertos, peixe na quaresma.
no calor se fazia rua,
e a pirita, pele;
grandes procupações:
o preço do leite, do boi, do fumo.
o lote vendido, a bezzerra que nasceu,
a porca que deu cria.
tudo marcado em cadernos, amarrotados.
o mineiro morreu, pois a pedra caiu.
o trem atropelou a vózinha.
perdeu a perna, vai usar muleta.
trocou o padre, o novo é brabo.
sem televisão ou jornal, talvez no pe. carlos.
alvorada do cristão, amanhecer da cidade.
no rádio o jogo: metropol, comerciário e brasil.
era a vida, feita de manhã, tarde e noite.
tudo no ritmo. sol ardente, noites estreladas.