prece de um solitário viajante

sinto-me na madrugada,
sedento do amanhecer
e, ao mesmo tempo,
que o sono me abrace.

passado ou futuro,
não sei ao certo.
só sei o ardor no peito
e a garganta seca.

haverá  redenção?
haverá salvação?
onde foi que eu,
abandonado de mim,
deixei o melhor,
a minha inocência?
as certezas de que cuidavas e velavas
do meu sono e destino?

agora, tão repleto de mim,
ciente das ciências das coisas,
resta-me as incertas noites.

volta, meu companheiro,
do pão e do vinho,
de juntos colocarmos nossas mãos no mesmo prato e
beijarmos sedentos e alegres o mesmo copo.

meu Senhor e meu Deus,
deixa-me novamente tocar
o teu lado e os teus pulsos.
tira-me este ciente saber,
dá-me novamente o incrédulo crer,
volte a caminhar comigo
num repetido deslizar
de uma conta de terço.

tudo está consumado

olhei para alto.
cravos. espinhos. lança.
dia que se fez noite.
depressão.

recordei-me o aconchego,
primeiros sinais.
tua presença,
alegria de te sentir
ainda promessa.
mistério. evangelho. gestação.

depois, acalento.
colo e amamento.
aconchego. calor. proteção.

teus primeiros passos.
teus muitos passos.
teus passos empoeirados.
calor. suor. missão.

inerte. desolada.
senti teus derradeiros passos.
paixão.

ah. por que?
não era melhor
ter te deixado
preso em meus braços,
recluso em nosso canto.
proteção.

deixei-te ir. destino, talvez.
doentes. pescadores.
mulheres e leprosos.
pão em fatura.
ungido para os pobres
lírios, pássaros e sementes.
reino em missão.

agora é hora.
núpcias, jardim, cordeiro.
enfim, criação.

rasgou-se o véu.
trevas. tremeu o chão.
sol no horizonte. ainda que ocaso.
novo tempo. novo templo.
novo céu. nova terra.
ressurreição.

insônia

mergulhei, ainda que insano,
na madrugada do meu ser.
ato corajoso,
não por mim escolhido,
mas dado sem pedir.

fez-se medos, dúvidas e angústias,
fantasmas da madrugada,
que atormentam almas sensíveis
mesmo sabendo que virá o amanhecer.

tão generosa... tao cruel...

busca-me? ou eu te busco?
não queres respostas,
delas tu não necessita,
queres meu tudo.

em cada esquina te encontro,
ou és tu que encontras a mim?
não sei.
e o que importa?
levas, geralmente o que tenho de mais precioso.

fico sem palavras,
culpado de um crime ainda não cometido,
ou que cometi aos poucos
na esperança e não ser definitivo.
uma palavra, um abraço, um sentimento.

então chegas com tua paga.

tudo tu colhes,
tudo eu entrego,
pra sempre, caminho sem retorno.
generoso ou não.
e mesmo assim sinto-me assim:
tão perto, tão longe.
querendo tocar,
fora do alcance.

partir sem ir, e algo
sempre insistente em permanecer.

então repouso...
a nele, em sonhos,
insistente me encontras
e na fragilidade
de uma aurosa que esmaece
devo ser forte, guerreiro.
espera do tombo em combate.

espera

mesmo se a colheita é incerta,
não desista da semeadura.
as lágrimas e os suores farão germinar sementes,
e, ainda que tardia, é tempo de sonhar utopias.


só os céticos não acreditam
que jaz vida
abaixo da terra dura.

Tu o dizes!

quantas moedas pagam a traição?
moedas de ouro, prata, níquel, poder e domínio.
há moedas e moedas.

traição objetiva: me traíste!
traição subjetiva: traíste a ti mesmo,
traíste os sonhos, a utopia, a alma.

sem um porquê.
é escolha, é liberdade,
ainda que ilusão, desespero, saída.
- o que tens que fazer, faze-o!

eu? eu? ou eu?
tu o dizes!

quarta-feira da paixão.

Era noite!

sim, noite se faz.
 porque a Luz veio ao mundo,
mas o mundo preferiu as trevas.
quanto preconceito e maldade,
violação de direitos,
ódio e exploração.
e o mundo prefere as trevas.
na tortura,
no calar o adversário,
no excluir e perseguir...
faz-se noite.
história imposta, vendida.
manipulada, distorcida, revivida.
...e satanás tomou conta de judas.

terça-feira da paixão.

demônios

face informe de um rosto retorcido,
boca torta,
corpo alto, tensão.
deparo-me entre curioso e terrificado
o que fazes aí,
pulando mesas e cadeiras,
lançando-me, equilibrado, no corrimão,
sapatos de couro, impecáveis, brilhantes,
um no trilho, outro no espaço.
vão da escada,
ei-lo agora tendo que se lançar,
na esperança de encontrar o chão.
pouso final suave,
quase rompendo
a parede na oposta de o vidro fumê.
a bagunça formada.
éramos nós dois,
carne do meu sangue,
filha do meu pai
somamos agora multidão.
sinto-me obrigado a defender-te,
mesmo não sendo minha carne,
mãe dos meus sobrinhos,
mulher do leito do meu irmão.
entre gritos em desacordos
a multidão se expressa;
uns contras, outros não.
fora um jardim,
e as flores.
dentro, chão preto,
orquídeas brancas;
sala de leitura, literatura,
violada a harmonia;
fora, outros somam-se à multidão.
no meio, um freira de roupas azuis,
cabelos brancos, no andar mostrando o rumo.
acordo sufocado;
de ar,
de significados,
de paixão

luz nas trevas

prepare a vela,
para a noite acender,
pois a lua se vê amanhecer
quando o sol se põe.

acenda a vela,
as estrelas estão além,
muito além,
alcançáveis em sonhos
mas inatingíveis às mãos.

erga a vela,
além do horizonte,
o teu horizonte, não do meu.

as nuvens fizeram-se escuridão
e ainda que tímida e fria,
a luz, mesmo da vela, se faz claridade.

a lua, as nuvens, a vela,
quando o sol se pari,
a lua se vê anoitecer.

prece e terror

do santuário que sou,
elevo uma prece, uma súplica, um grito.
porque sou louvor,
sou brisa, sou vento, sou tempestade.
não são frases, nem palavras,
mas sangue e flor.
faço-me caminho,
no recuo e no avanço,
feito coragem, vestido covardia, tremendo medo.
além do infinito, ó mistério insondável,
não compreendo o tocável, o visto e o medido.
contradição e coerência; pacifista, sanguinário.
emociono-me na flor, pisoteio formiga.
sou, assim sou, e não sou!
porteira de chegada, a mesma da partida
e caminho da volta é o mesmo do retorno.
ousadia e saudade,
sou pedra, rocha e tropeço,
sou água, vida e morte.
sou o que sou,
e o além que nego ser.

violência

a dor sobe morros,
a dor desce ladeiras,
a dor cruza becos.
chão batido.
quem causa dor,
não é amor.

a dor corre avenidas,
a dor caminha ruas,
a dor estaciona vielas.
asfalto.
quem causa dor,
não é amor.

a dor ponteia estradas,
a dor destrói caminhos,
a dor engole vilas.
campo.
quem causa dor,
não é amor.

não é amor.
não é amor.
não é amor.
sim.
não é amor.
não é amor.
nem redentor.

quinta-feira da ceia

ei-lo, ó mãe, feito pão, sangue e carne.
vida para a vida do mundo.
sopro e hálito neste deserto árido,
botão a desabrochar no solo ressequido.

ei-lo, ó mãe, ele se dá.
sede do mundo sedento e sem paz,
água que corre, possibilitando brotos,
pão, milho, feijão e arroz.

ei-lo, ó mãe, teu filho entregue.
fome para o mundo faminto.
sonho que transcende, além do visto,
sol da meia-noite, promessa do Pai.

escolhas

a mesma estrada, diferentes caminhos.
um para a plenitude, outro para a morte;
um de descobertas, e aquele que a nada conduz.
este pleno de emoções ou então pesado pelo tédio.
aquele a ser desbravado ao lado do que repete paisagem.
caminho a ser caminhado; outro a ser suportado.
diferentes caminhos, a mesma estrada que se chama vida.

porque te esquecer se faz impossível

no primeiro dia foi encontro do olhar, direto e penetrante.
no segundo, trocamos bilhetes, números apenas.
já no terceiro dia, tocamo-nos. carícia rápida na mesa do bar.
no quarto dia foi paixão, carne na carne, uma só alma.
para no quinto dia, tu tão superior para eu me sentir pequeno.
no sexto dia, o telefone a tocar. deixe seu recado.
foi no sétimo dia; compreendi os sinais. dor e distância.
agora, no novo dia, amigos? não, por ora, não.
ainda te guardo no meu olhar.

amanhã

é preciso abrir os olhos,
cheios de encantamentos,
e neles conter  o oceano
e a infinitude do céu negro, estrelado.

deixar sentir num suspiro calmo
todos os perfumes, inebriantes,
tocando alma por sensações
de saber que é bom simplesmente viver.

fazer-se caminho, jornada desconhecida,
pelo simples prazer de estar aqui
e, mesmo que a dor duvide o amanhã,
abrir estradas feitas de sonhos e fé.

saber que a chuva lava mais que o corpo,
penetra  realidades bem mais profundas
e descobrir-se possibilidades, ternura e desafio.

contraste

quando a dor
é maior que o peito,
ela aleija a alma.
deixe os textos,
plante jardins,
cultive alegria.

a beleza da luz
está nas sombras.

alma emparedada

sufocado,
sem ar, vida ou brandura
nas quatro paredes
de uma vida sem luz.

tudo parado,
folhas, brisa, encanto,
um olhar agoniado
a procura de desafios.

uma mesa,
uma garrafa,
um copo.
nada além do nada.

o cliente se foi,
último da madrugada,
aurora que não vem.
virá?

quatro paredes de uma vida,
escuridão, sufoco,
transpiração.

o relógio marca,
cinco e quarenta e sete.
aponta para onde?
mostra o que se foi?
ou, indica o caminho?

quem me dera
que os códigos
me devolvessem
a minha alma.

criciúma, 50 graus. neste caldo me fiz gente.

recordo-me, não digo com saudades,
pois ainda está muito em mim,
das noites de vaga-lumes, dos pés empoeirados.
estrada infinda, ainda que acabasse logo ali,
emburacada, entre milharais e pastos, curvas e descidas,
perto do regato, fio d'água pra lavar roupa.
verão, sempre era verão na varanda de trás.
perto do poço, da bomba e da mesa de café;
nela, o leite morno em jarro de barro,
cavaquinhos, bolinhos de chuva, pão de casa e, sempre, queijo.
café da tarde, só isso, café da tarde.

e a espera. como esperava. sempre em espera.
do que foi, do que não foi, não sei o quê.
a nona que se mudou para o paraná,
a irmã no convento que jamais voltava,
o natal com o galho de pinheiro enfeitado, menino Jesus.
santa maria, rogai por nós pecadores, sonolentos,
em ritmo cadenciado, cinquenta vezes, até a salve rainha,
que para mais lhe obrigarmos nós as saldavámos,
nós degredados em terra, em terras nossas e distantes,
exilados da itália, na pátria mãe gentil.
e nos dias de festas, a ladainha.
porta do céu, torre de marfim, saúde dos enfermos.

na manhã a carroça com os latões do leite;
uma vez ou outra,
torresmo em tacho de ferro,
no mesmo fogo, batata doce na lata, misturada com a soja;
milho pras galinhas.
tempo sem trattoria.
almoço, polenta, linha, fortaia, radice,
a comida na mesa da cozinha mesmo.
arroz, feijão preto, ovo e minestra, jantar.
macarrão, maionese, galinha ensopada.
sabia, era domingo.
dia da missa, confessar, roupa nova.
novidade, agora podia se rezar em brasileiro
e comungar na boca.
acabou o Domunus vobiscum,
santos cobertos, peixe na quaresma.
no calor se fazia rua,
e a pirita, pele;
grandes procupações:
o preço do leite, do boi, do fumo.
o lote vendido, a bezzerra que nasceu,
a porca que deu cria.
tudo marcado em cadernos, amarrotados.
o mineiro morreu, pois a pedra caiu.
o trem atropelou a vózinha.
perdeu a perna, vai usar muleta.
trocou o padre, o novo é brabo.
sem televisão ou jornal, talvez no pe. carlos.
alvorada do cristão, amanhecer da cidade.
no rádio o jogo: metropol, comerciário e brasil.
era a vida, feita de manhã, tarde e noite.
tudo no ritmo. sol ardente, noites estreladas.

flutuar

é preciso acordar o encanto
das coisas, das cores, dos sabores.
das pessoas e das cantigas de ninar.
é preciso fechar os olhos, suaves.

olhar além das estrelas, respirar.
viajar além do conhecido,
voar, plainar, sentir a briza.
descobri-se, novamente, humano.

sonho

fora de mim,
descobri-me paisagem.
feito de sonhos, amores, lutas.
aqui e acolá, mosaico.
flores, pedras, regato, carvão.

fora de mim,
descobri-me passagem.
feito de noites, estrelas, sol ardente.
aqui e acolá, caminho.
fogão, cercas, roça, cadernos.

fora de mim,
descobri-me paragem.
feito de dores, incertezas, medo.
aqui e acolá, veredas.
balanço, bola, máscaras, pessoas.

fora de mim,
descobri-me personagem.
feito de mim, de ti, de nós.
aqui e acolá, montanha.
palco, capela, flores, mar.

anestesia

quando o sol, avermelhado,
se esconde atrás da serra
e a noite em manto sagrado
cobre os campos, anoitece.

torno-me então,
homem em dores...
saudades tuas,
lembranças minhas.

pois a mais dolorida das dores,
não marca o corpo,
nem machuca entranhas...
é indelével, mas bem doída.

sim, a dor que tudo trava,
sem médico, sem medicina,
dói na alma, dói no peito,
incurável, mas redentora.

juízo

apresentaram-te o livro,
nele passado, presente, futuro.
acontecido e o que há de acontecer,
lacrado, só tu podes abrir.

meu destino, meu desatino,
olho pra trás, o cristal separa
o aqui do acolá, porta com maçaneta
só para entrar...

silêncio, as trombetas anunciam
que tudo agora se desfaz.
quantos sonhos prepotentes,
quantos ídolos absolutos,
quantos mais poderosos.
todos nus, pó frágeis, terra tornarão.

onde está certeza das armas?
onde está a força do dinheiro?
onde está o holofote da fama?
o livro será aberto.
tudo nele está contido.

dia da ira, misericórdia;
nova serão todas as coisas.

céu sem estrelas

na noite clara da vida
vivo a perguntear as perguntas não feitas...
pergunteio, pergunteio, e torno a perguntar.

onde está a margem?
quando de tempo se fará horas?
quantos passos restam pra voltar?

e assim, no manejo da incerteza,
vou construindo o passado,
no indecifrável futuro do presente...

resta-me eu, tu, nós talvez...
não há luz, nem túnel,
quem sabe, o trem.

então mais me pergunteio,
e nada de respostar, soluções.
pode ser perguntas erradas,
não sei... mudar o interrogar
será, então, a solução?

e se os mísseis falharem?
e se o presidente nada pode fazer?
e se os cometas impactarem a terra?
e se o trajeto não for na américa do norte?
então o super man não é um herói?
sim, eu posso recusar o salvar...
dane-se destinos em minhas mãos!

não há esquina, talvez encruzinhada

linha em linhas,
a vida segue seu rumo
e se faz sonho, medo, decisão.

ainda que me tomem pelas mãos,
ainda que me guiem na escuridão,
ainda que me levem em frente,
sempre restará o desafio do descobrir eu.

sem rumo,
sem direção,
sem mapa,
sem bússola.

fostes meu norte,
preferi o sul.
fostes meu siga,
preferi retroceder.

eu, só eu e ninguém mais.
há caminhos que se faz solidão.

insonso

minhas letras dizem o que não dizem,
nelas cabem tudo, nada cabem,
depende de ti, não de mim,
interpretar a vida, ler tua alma.

o que vale tanto saberes,
tão clássicos, tão antigos,
inteligente.
se a sabedoria se faz distante,
sem temperar a vida.

vencido

descaso de jogo de dados,
a uns, tantos; a outros, nadas.
nadas, nadas, nadas... nem migalhas...
sobra o que para chagadas feridas?

trapos, piso sem rumo.
aos derrotados, nadas...
ao vencedor, tudo.

não fostes esperto, nem blefastes.
agora te resta o amargo gosto
de perambular sem rumo,
em troca de uma reza, talvez um muro,
um catre, um canto que não é teu.

do alto olhas o indigente,
que vale ele, sem olhar, já morto,
ainda que o peito teime em erguer-se?

jogo de interesses, olimpo,
dados jogados, destinos.
a uns, tantos; a outros, nadas.
só resta o caminho ao perdedor.

o inverno há de ir-se, anunciando nova estação

oh minha alma,
repleta de incertezas,
deves exprimir as mais belas certezas.

espera no esperado,
ama o infinitamente amado,
proclama a fé no revelado.

ainda que um véu cubra o sol
e as sombras não sejam preto no branco,
mira-te no caminho, só há ele,
vai-te a frente, outros seguir-te-ão.

no fim o que restará?
tu em tua alma, não mais espelho,
não poderás fugir do encontro, derradeiro.

sonolento

sentado, tevê como companheira,
vida passando, inútil.
onde está a perspectiva
de uma vida com ontem ou amanhã?

onde te encontro
esperança de esperas,
que porte  certezas, mesmo vãs,
de que há alga além de anoitecer?

esperando, sem espera,
se é cousa ou alguém;
a única certeza, certa,
é o peso de estar, instável.

anestesia de nada sentir;
ah! bom seria ter pelo menos
uma razão, ainda que doa,
 por que eu precisaria viver.

indesejado

ah meu jardim!
de urtiga, espinhos, abrolhos.
galhos secos, sem perfume.
o belo está em ti.

diferente,
agressivo,
agreste,
mesmo assim jardim.

toda pura és maria

cansada da rotina
de se dar sem medida,
entregue à desejos alheios,
empoderada do próprio corpo,
apesar do pesado metal,
a menina virgem
endireitou o vestido;
e a moça da esquina
voltou para os seus;
liberta.
tomaram seu físico,
não a sua vida.
senhora do destino;
escrava?
os outros que a possuiam.

segundo eterno

suficiente um segundo,
talvez menos,
para sentir, completo,
teus lábios gélidos
juntos aos meus.
tomou-me de sono,
eternidade.

confissão

não me digas o que me dizes,
não tenho lugar para a contradição,
digas o que quero que me digas,
assim, mesmo iludido, se fará silêncio
o meu coração.

não é hora da verdade,
nem mesmo da mentira,
só estou sensível, é isto.
eu sei o meu eu, mesmo não dito,
por isso não digas,
não é hora de saber o que já sei.

meu pra sempre amor, sul catarinense

naquele dia, quase eterno,
situado entre o hoje e o amanhã,
quando me devolverem as asas,
poderei ir além, acima da serra do mar.

então, olhos límpidos,
no frio do minuano anunciando,
além das copas de pinheiros
e abruptos perais,
te contemplarei feliz,
criança adormecida no solo carvoeiro,
minha sagrada terra querida.

alma serrana

ah, Deus! meu Deus.
bastar-me-ia
- não me entendes?-
um fogão com lenha,
umas poucas brasas,
cheiro de cinza,
um riacho que canta,
pinhão,
galhos de pinheiro ardendo,
mata, muita mata,
uma noite com estrela,
e - por que não? -
um pouco de frio...

remiscência do amanhã

saudade, memória, nostalgia.
tudo interligado,
tudo entrelaçado.
memória, saudade, nostalgia.

chave no passado,
abertura interna.
sonho no futuro
esperança de além.

passado,
passagem,
passamento.
quem pode negar o que foi?

Ah... memória.
sem ti, haverá amanhã?
não!, o futuro se fz no ontem.

eu sou...

o doido varrido;
o pé de cana;
o pau de virar tripa,
a perna de vela;
o cabeça de lua;
o mão leve;
o cabeça de vento;
o pé de valsa;
o nariz empinado;
o lábio de mel;
o perna de pau;
o bunda mole;
o barriga de aluguel;
o cabeça de bagre;
o cotovelo de formiga;
e outras coisas que aqui não posso dizer.

foi-se o tempo de querer perscrutar os sentimentos, as dores, os sonhos, as estrelas, as escrituras. agora tudo se faz o mais simples e superficial. dois mais dois, ainda são quatro?

a vida tornou-se uma página em branco.

o clemens, o pia, o dulcis, virgo Maria!

antes, invoco:
bizantino:
Θεοτόκε Παρθένε, χαῖρε,
κεχαριτωμένη Μαρία, ὁ Κύριος μετὰ σοῦ.
εὐλογημένη σὺ ἐν γυναιξί,
καὶ εὐλογημένος ὁ καρπὸς τῆς κοιλίας σου,
ὅτι Σωτήρα ἔτεκες τῶν ψυχῶν ἡμῶν.

Theotokos virgem, regozija,
Maria cheia em graça, o Senhor é contigo.
Bendita és entre as mulheres
e bendito é o fruto de teu ventre,
pois portas o Salvador de nossas almas.

Católico antigo (ainda dito por luteranos e anglicanos)
Ave Maria, gratia plena,
Dominus tecum.
Benedicta tu in mulieribus,
et benedíctus fructus ventris tui, Iésus

Ave Maria, cheia de graça,
o Senhor é convosco.
Bendita sois vós entre as mulheres,
e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

Católico romano:
Ave Maria
Gratia plena
Dominus tecum
Benedicta tu
In mulieribus
Et benedictus
Fructus Ventris tui, Jesu

Sancta Maria,
Mater Dei,
Ora pro nobis peccatoribus
Nunc et in hora mortis nostrae
Amen

Ave, Maria, cheia de graça, (Lc 1,28a)
o Senhor é convosco. (Lc 1,28b)
Bendita sois vós entre as mulheres, (Lc 1,42a)
e Bendito é o Fruto do vosso ventre, Jesus! (Lc 1,42b)

Santa Maria, Mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
agora e na hora de nossa morte.
Amém

depois, pergunto; não afirmo:
...e se a virgem é mãe do único filho, Jesus,
como muitos creem,
deixaria de ser a virgem, mãe de Deus?  

... e se a virgem é mãe de outros filhos,
como outros afirmam,
deixaria de ser a virgem, mãe de Deus?  

... e se a virgem foi violentada,
como alguns dizem,
deixaria de ser a virgem, mãe de Deus?  

por fim, professo:
salve santa mãe de Deus;
mãe de muitos, mãe de todos;
consolo dos violados e sofredores;
bendita és entre todas a mulheres.
bendito é o fruto do teu ventre;
sempre virgem, Maria.

do campo ou da cidade!?!

atrai-me os presépios.
um Deus feito menino camponês,
numa manjedoura, nas palhas,
cercado de ovelhas, bois e burrinhos.
cheiro de orvalho, noites estreladas,
um menino pastor entre os pastores.

atrai-me o menino da cidade,
um Deus feito menino da periferia,
nos braços da màe, na casa,
acolhendo os magos do oriente.
culturas diferentes, estudiosos dos astros,
um menino sábio entre os sábios.

atrai-me a unidade do menino camponês.
atrai-me a diversidade do menino da periferia.

incógnitos

há tempos em que as palavras se devem calar.
há tempos em que o olhar deve dizer.
há tempos em que o olhar e o falar destroem.
há tempos que só a presença mais diz.

na fragilidade da vida
as palavras e gestos soaam vãos.
a solidariedade está no estar e ser,
não no dizer, não no expressar.

é preciso carinho
para saber falar,
para saber abraçar,
para saber não chorar.

sangue, suor e cerveja.

vida que vale a pena
é a vida viviva.
mãos calejadas,
rugas no rosto,
cabelos brancos.

sim, vida vivida.
nas noites insones,
na rede da praia,
na enxada e foice,
no leito da morte,
no sangue, suor e cerveja.

vida vivida.
nas letras,
na poesia,
na cantida,
e no sonho do ainda não.

vida que vale a pena
é a vida vivida.

estrela guia

salve, salve, Deus Menino,
feito gente, feito eu,
salve, salve, grande rei,
salvador, aqui belém.

posso abrir o meu alforje,
e te dar o meu presente,
mas por mais que me esforçe,
presenteado eu mesmo sou.

fez-se a noite, eterno dia,
pois nos braços de maria,
geme, chora, se remexe,
emanuel, menino rei.

nhenhenhenhenhenhan

palavreei palavras sem fim
e disse que disse sem acabar.
falei, falei, falei até cansar.
a língua? não, o ouvido!

virtudes teologais

no mais alto prédio,
da mais alta colina,
quando a noite se fez escuridão,
uma estrela azul brilhou.

era fria, aconchegante,
cheia de esperança em luz.
estrela da alma, brilhante,
creia de certeza em cor.

uma crença: amor.

pastorear em versos e prosas

se for pra dizer adeus,
que seja até logo.
como é linda esta palavra.
logo, logo, já perto.

no logos de Deus,
a vida se faz logo.
adeus, deus, logos.
como é linda a palavra feita logo.

medo da acidez.

tenho medo de mim.
de eu ver no espelho
da minha inquieta alma
o reflexo de mim.

sonhar sonho de outros,
caminhar em caminhos já percorridos,
como é vã a segurança do incauto.

melhor a certeza do já feito
do que o tremor do que ainda não.
mas vale a pena estar morto vivo??!

viajar além de estrelas.

na viagem mais desafiante,
misteriosa e temerosa,
ousei viajar no insondável.

não distante,
nem além mar,
mais perto e tão distante.

sem planos, sem mapas.
roteiros não ditados pelo sol,
nem por trilhas ou geografia.

o caminho?
eu mesmo.
mestre de outrem,
descobri-me desconhecido.

incerto é o encontro

onde estás?
onde estás?
onde estás?

no vazio.
na noite.
no silêncio.
na angústia.
na boca seca.
no coração apertado.
no suar frio.
no virar-se e revirar-se.

onde estás?
onde estás?
onde estás?

sinto-me só.
solidão de ausência.
se não sou eu que te busco
e sim tu que me encontras,
onde estás?

súplica

minha alma ateia,
altas madrugadas,
busca a ti,
ó Infinito inenarrável.

andante, tropeço,
e no tatear da busca
enchendo de nada
o ser, busco a ti,
a ti, somente a ti.

sei que quando te busco,
tu já me encontraste,e
pois não posso buscar,
em em mim não estás.

então, por que o vazio?
por que a noite insone?
o desejo insaciável?
o árido da terra sem flor?

vem, amado, toma-me
- inteiro, não partes -
embala-me em teu seio,
acolhe-me em teu regaço.

dá-me a luz das estrelas,
o calor do braseiro,
a frescura do regato.

mergulhar em ti.
isto me basta.