crônica do medo

medo,
sempre foi meu companheiro,
apesar do desejo do divórcio.

medo do bicho que dormia embaixo da minha cama,
medo dos meus irmãos que dormiam nas camas ao lado da minha.
já pensou se eles imaginassem que eu tava com medo?
medo. muito medo.
do escuro. de estar sozinho. sei lá...
então tomado de medo,
eu me enchia de força
e corria pra cama do pai e da mãe.
medroso, meus irmãos diriam no dia seguinte.
diriam não, fuzilariam.
talvez o medo deles fosse maior que o meu.
sei lá...
tinha medo de tudo.
só não tinha medo de bala perdida,
pois bala pra mim era pra chupar.

fui crescendo, mais medos.
medo de rodar de ano,
- o que é rodar de ano? -
medo de falar no telefone,
medo de cigano,
ciganos? quase nunca os vi na minha cidade.
mas, não sei bem porque, tinha medo deles
e também dos serranos que vinham vender queijo.

depois, os medos ficaram mais sérios.
medo de não saber beijar,
de levar um fora, de pegar menigite;
sempre que tinha campanha da saúde, eu tinha todos os sintomas de menigite.
e. nos anos oitenta, da aids.
de dizer o que eu pensava.
aliás, medo até de pensar o que poderia pensar...
ai meu Deus, quantos motivos pra ter medo.
medo de me "tornar" bicha,
medo de ir pro inferno,
medo de não acertar.

então, mesmo com tantos medos,
pego meu "cobertor",
me encho de força,
e correndo,
mais do que o bicho que teimosamente
continua dormindo embaixo de minha cama,
corro pro colo da vida.