marrento,
cansado o barco avançava.
águas escuras, profundas.
quase na proa a mulher,
silêncio inexplicável,
nem morto, nem vivo.
indiferença.
não importa o calor,
nem os respingos fétidos.
rede ao lado, cheirando peixes;
ronco de motor, sempre o mesmo.
a alma cortada em duas,
ou em três... talvez sem alma.
o cabelo esvoaçava, sem brilho.
falei boa noite,
só o motor se ouviu.
aquietei-me.
indiferença sem rumo.
viajei longe, além das margens.
atravessia noturna,
mesmo que sol se pondo.
apercebi então o ritmo dos braços.
corpo teso,
só os braços em balanceamento.
tão discretos, tão lentos.
era uma cantiga de ninar?
tremi mais ainda.
nos trapos, outro trapo
bem diferenciado, amontoado.
aprofundei o olhar, querendo ver.
pedra, pau, coisa ou gente?
morto? vivo?
eram lágrimas ou respingos?
estranhei a estrela riscando o céu,
desci no porto a espera do milagre.
o barco se foi.
a mulher?
inerte continuou sua travessia.
esmaeceu, permanece em mim.