noite fria qualquer de abril, fui concebido.
não sei se meu pai conheceu minha mãe
ou se minha mãe conheceu meu pai.
nem mesmo sei se foi amor ou usança.
só sei que assim passei a existir,
Deus até caprichou na figura
desenhou-me com traços assimétricos
bom de ver. originais e belos. estéticos.
o problema é que era frio, muito frio.
bem na metade do trabalho, ele cochilou.
e, meio acordado e meio dormindo, cabeceando,
ele se pôs a obrar o meu interior.
errou de cheio. bola na trave.
nem dentro, nem fora. não foi gol.
não escolheu a moral e os valores adequados,
criou-me fora do padrão, da normalidade.
numa manhã quente de janeiro, nasci.
outros tantos janeiros se passaram, mesmo primaveras,
eu crescendo robusto, alto, belo e formoso,
porém, maioria das vezes, não sabia pra que lado jogar.
foram-se tempos, enfrentei feras, rumei atalhos
rejeitei caminhos, feri, fui ferido, chorei. sorri.
e como Archimedes com sua lanterna,
vivi um eterno buscar não sei o quê ou quem.
em outra noite, a primeira do outono,
finalmente tornei-me flor e dei a luz a mim:
percebi e decidi: há alguém errado?
só pode ser o projetista, não eu!